Há 13 anos eu iniciei minha dose diária do comprimido da tireoide. Termina uma caixa e começa outra. Anualmente eu passo no endocrinologista para os exames de rotina. Em uma das consultas uma frase me marcou: “ninguém vai suar o seu suor.” Tem coisas que é você com você. O médico disse isso enfatizando a importância do exercício. Eu aprecio caminhar e ainda que eu falhe na disciplina da meta semanal, por conta de alguns entraves que surgem na agenda, eu sigo tentando …
… Ontem, sentada em minha cama, segurando as duas
cartelas 88 do hormônio, uma avalanche de recordações desabrocharam pelos meus
sentidos, reflexões sobre as muitas doses pontuadas na composição dos dias.
Algumas bem amargas, umas como conta gotas, outras como injeções doloridas e
outras mais suaves. Vestida com o meu pijama azul eu me enxerguei contemplando
a brisa maresia no mar, na poltrona do livro, na profundidade dos mergulhos no
açude, rio e ondas, nos passos das trilhas, na alvorada com a festa dos pássaros,
no arrebatamento do céu noturno do sertão, no riso da minha tríade, na música
da Marisa e Alceu, na reza de vozinha, no cheiro do café e tantas outras
sensações tatuadas na alma…
… marcas de diferentes ciclos que brotam na memória,
despertadas por elementos tão comuns quanto estranhos, como um comprimido.
Sentei na rede, sentindo o vento leve da manhã tocando no sino dos ventos e
mergulhei nos momentos que palpitaram. Fechei os olhos para ouvir o sussurro do
som trazido de tantos cantos. As vozes dos ventos ecoam saudades. De repente lembrei-me
do sonho da madrugada, eu estava na sala colorida de uma casa, que tinha uma
janela pequena envidraçada. De lá eu avistava uma árvore. Nela, abraçado pelas
folhas verdes vivas, sentado em um dos seus galhos, estava o Arthur colhendo
frutos…
… saltei da lembrança do sonho para a claridade do dia, guardei meu comprimido na gaveta da cama e iniciei meu ritual matinal pensando nos capítulos passados, sobre a intensidade do presente que nos convida a fazer escolhas, enveredar por novos caminhos, encarar mudanças, plantar, semear, colher e seguir construindo memórias. E eis que veio a imagem da capa do caderno que no Norte ficou, das páginas que escrevi durante a viagem, das que estão sendo escritas por minhas meninas filhas. E pensei no quanto as palavras, faladas ou escritas, alimentam nossas doses cotidianas.
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