sábado, 15 de fevereiro de 2025

Dia memorável

Sexta-feira, verão, manhã, caminhada orante, passos, folhas personagens, pássaros cantando, beija-flor, suor, banho, café e saída de casa. Escola, na companhia do Elo Sagrado, andamos, pausa para deixar mochila, cachorro-quente no calçadão, estação Osasco, bilhete, trem. Destino Ipiranga para mais uma consulta na especialidade gratidão. Linha 8 Diamante, próximo a passagem entre os vagões, no balanço do meio que Arthur adora surfar, ela está encostada lendo seu kindle. Um casal ao meu lado fala em espanhol ligeiro, toca o telefone dele e inicia uma conversa operária com quem está do outro lado da linha, negociações nos trilhos. O trem é também comunhão de línguas, lugares e personagens.

Barra Funda, escadas e na plataforma logo embarcamos na linha 10-Turquesa. Descemos na Ipiranga, atravessamos o canteiro, a linha férrea, passamos pela comunidade, roupas no varal em frente as casas miúdas, rádio tocando, vozes misturadas, passos apressados, embaixo do viaduto o vai e vem das pessoas, atravessamos a rua e chegamos na parada dos motoboys em frente ao Mooca Plaza Shopping. Muitos ali esperando o chamado Ifood para sair com as entregas, disputando a pouca sombra da calçada. 34 graus marca a temperatura e o céu anuncia o temporal. Entramos no palácio das compras pela entrada dos boys delivery em frente a praça de alimentação. Almocei com o coração latejando. Perguntei ao segurança sobre a saída para pedir Uber e depois da parada para comprar o chocolate preferido da Isa que acontece nessas ocasiões médicas, nos sentamos no confortável e assombreado banco a espera do Uber. Pensei que os motoboys do outro lado, poderiam ter um desses também.

Trovões e nuvens anunciam a chegada do temporal e eu rezei para chegarmos antes dele desabar. Os pingos na janela, o Museu e o parque do Ipiranga e mais adiante o centro clínico. Desço e me deparo com a lixeira que dá o recado. Já no endereço familiar, com a chuva torrencial caindo lá fora, aguardamos o chamado da Doutora Thaís que nos recebeu com seu sorriso. A gratidão a essa especialista é contínua e o tratamento seguirá com novo retornos e, com a graça de Deus, avanços. Ainda chovia, de forma moderada, quando descemos do primeiro andar para iniciar o trajeto do retorno. Uma senhora passando mal, o socorro das enfermeiras, a aflição da acompanhante. Ao nosso lado um casal, a senhora dizendo ao marido que não voltaria com ele de moto, eles sofreram um acidente que a traumatizou e os pinos são lembretes doloridos. Ela me perguntou sobre estação metrô e trem por perto, eu expliquei e avisei que estava indo, ela disse que ia procurar ônibus para ir até lá e eu respondi que não precisava, que ela iria conosco. Não tenho dinheiro, retrucou. Não precisa eu já paguei o Uber e a senhora pode ir conosco.

Na corrida, ela nos conta detalhes sobre o infarto do marido, motorista do articulado do Campo Limpo-Bandeira, aposentado e que ainda trabalha porque precisa, de como homem doente dá trabalho e eu concordei e até o motorista do Uber entrou na roda, do filho que morreu com 48 anos há 2 meses sozinho em casa no bairro de Pinheiros com um pico de diabete e que só 2 dias depois encontraram seu corpo, da dor da perda...ela também irradiou alegria ao falar da construção de sua casa própria perto de Poá, que está fazendo um pouquinho por vez, que também é Pernambucana, vai fazer 70 anos em abril, tem 13 netos, ainda faz faxina e uns bicos...chegamos na Juventus-Mooca, antiga estação férrea. Dois rapazes que certamente voltavam do seu turno de trabalho, nos ajudaram a chegar na plataforma certa. A Dona Lourdes me falou da pamonha que “faz como ninguém”...entramos no trem, na próxima estação, Brás, ela desceu, nos despedimos no vagão e a gratidão no seu olhar fará morada eterna em minha alma...vou seguir sonhando com o sabor da pamonha...

Ainda na Turquesa, segurando perto da saída, uma nova conversa de duas mulheres jovens partilhando com sorriso a aridez de aperreios: “em casa só tenho 2 xícaras, 3 pratos, 1 cadeira e 2 copos. Nem posso receber ninguém” e gargalharam em sintonia. “No começo é assim mesmo e eu só tenho o que uso nem posso te ajudar, mas vou ver o que separo.” Elas pareciam ser companheiras de empresa ou bairro, dividindo cenas da vida na ida e volta da linha férrea. Um nó na garganta e a o aviso da nossa estação. Descemos na Barra Funda, elas e os demais seguiram. A estação do meu Palmeiras, meu time e eu senti saudades dos dias dos jogos que fui junto com meus irmãos. Sobe, desce escada, plataforma lotada de pessoas, uma filha consola a mãe que chora abraçada em seu ombro, ou seria amiga? Eu choro por dentro e ouço as maravilhas da química e da evolução tecnológica desse século que a Isa me ensina. Os ambulantes vendendo água, cerveja gelada, kit manicure pronto para uso: “já está amolado e esterilizado, só 20 Reais.” Depois de Altino saímos espremidas em Osasco. Estava abafado, tínhamos sede e cansaço. Água, café e partida. Isa foi encontrar o pai e irmão, eu segui para minha consulta.

Na Avenida Santo Antônio, o padroeiro de Osasco que está sem catedral. A construção da nova em pleno vapor. Enquanto aguardo minha vez, reencontro com conhecidos das antigas. Dessas surpresas preciosas que nutrem a teia do tempo. Da consulta para o café amizade. É incrível a grandeza do diálogo com quem temos refinamento de alma. Noite, calçada, céu, abraço e despedida. Entro no quinto Uber do dia. Destino casa. Sou surpreendida de uma maneira que não há palavras para descrever. O que eu ouvi e senti no intervalo de quase 20 minutos seguirá ecoando. Como alguém que talvez eu nunca mais encontre foi capaz de transmitir uma mensagem tão tocante? Que resposta! Deus envia sinais e anjos. É nessa trilha de AMOR que eu encontro sentido em todas as estações e com os personagens que eu cruzar.

Que dia Memorável! Gratidão Deus!

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Distância e proximidade

Estar perto e longe ao mesmo tempo é possível? Em certo sentido sim. As vezes tem pessoas que está ao seu lado e distante milhares de milhas. Outras que estão fisicamente em outro continente e muito mais próxima naquilo que importa. Estou há 32 dias longe do Brasil, na missão mãe e avó, nesta viagem invernal e tenho refletido muito sobre esses extremos. Me perguntaram do que sinto mais falta nessa experiência da viagem mais comprida que já fiz. Talvez eu não consiga descrever todas as coisas porque a saudade vai aflorando nos detalhes do cotidiano. O canto do pássaro na árvore seca desperta lembrança, o formato de uma nuvem, o cheiro do alho fritando no azeite, o riso das crianças e tantas cenas daqui que entrelaçam recordações de lá.

Contemplando um painel que Peaches fez das suas férias no Brasil do ano passado, lembrei dos meus contando sobre a hora de compartilhar na aula sobre as férias, logo após o início de cada semestre, seja na escrita, fotos ou oralidade. Tenho escrito poucas linhas diárias sobre minha passagem por aqui e fiquei pensando o quanto de vida esses dias estão acrescentando a minha memória afetiva. Na gélida estação do Norte, o calor do afeto tem aquecido minha alma. Eu sou grata por estar aqui, ainda que seja tão doloroso a saudade de todos que verdadeiramente me amam e que estão do outro lado do Atlântico. Sou mulher do sentir e sei bem quem são.

No começo da viagem, tivemos por aqui a companhia da Isa, a tia amada de Peaches, Damian e Alise. Meu caçula Arthur viajou para Pernambuco. Os dois já estão em casa desde final de dezembro. E minha maravilhosa irmã tem me ajudado muito. Alise, a menina luz, nasceu dia 13/12/24, na Lua Crescente, dia de Santa Luzia. Foi a primeira vez que eu pude acompanhar esse momento tão precioso da minha primogênita que completou sua tríade. Sintonia refinada com a mãe aqui. Eu acredito em propósito divino e sinto com toda força que a maternidade da Bruna tem um sentido tão intenso que ela vai descobrindo e vivenciado em cada ciclo. Quando sentimos no ventre e assim que nasce acolhemos em nossos braços o bebê, um turbilhão de sensações percorre nosso ser. Eu jamais vou conseguir descrever tamanha imensidão.

Uma vez ouvi: você é uma avó jovem. Nem tanto assim. Este ano completarei 50 anos e segurando Alise no colo me pus a rezar para que eu possa ter a graça de viver muito mais para continuar visitando-os aqui e os recebendo no Brasil, nesse ir e vir de chegadas e partidas, nesse espaço de vida que vamos colecionando memórias. Voltando as perguntas, para findar o texto, deixo aqui minhas simples observações sobre essas questões cujas respostas podem ser bem diferentes para cada pessoa e até ter semelhantes em alguns pontos com as minhas também.

Do que sinto mais falta nesse período longe de casa? São muitas, do abraço a comida e tantas variáveis que renderiam páginas e páginas, mas vou me deter em três que representam muitas para findar esse texto: 1- dos filhos: do aperto abraço do meu Arthur, meu caçula que tira meu juízo e inunda minha vida de amor e das falas da Isa, da sua sensibilidade que me abraça no olhar. 2 - do café da minha mãe nas manhãs de domingo. Somos muito abençoados por ter essa Maria de Fátima e tia Lane e Coca...). 3 - dos laços amizades e das conversas presenciais profundas e recheadas de riso.

Sobre a minha pergunta - estar perto e longe ao mesmo tempo é possível? - deixo aqui outras perguntas provocações para que questionem: você está realmente presente em cada ação? Tem atenção plena na escuta do outro? Está atento a fala durante a conversa ou absorto em distrações? Quantas vezes você esteve com alguém do seu lado e se sentiu sozinha? E como é encantador quanto sentimos o contrário. Quando a pessoa está distante léguas e te conhece tanto que sente pelo som da sua voz como você está. Isso sim faz diferença. Que sejamos cada vez mais Presença real. 

Dia memorável

Sexta-feira, verão, manhã, caminhada orante, passos, folhas personagens, pássaros cantando, beija-flor, suor, banho, café e saída de casa. E...